Independente de ser um grande filme ou não, Vazante (2017) deve emergir, mesmo que despropositadamente, discussões pertinentes a respeito do cinema brasileiro
Dirigido por Daniela Thomas, Vazante acompanha brancos, afrodescendentes nativos e recém-chegados da África que sofrem as mazelas derivadas da incomunicabilidade em uma fazenda imponente, na decadente região dos diamantes, em Minas Gerais, no início do século 19.
Foi em seu país de origem que Vazante atraiu as principais contestações e algumas acusações sobre racismo, e isso não é algo necessariamente ruim. Seria inocente, por parte de Daniela, supor que seu trabalho não sofreria nenhuma mazela de movimentos sociais ao tratar qualquer assunto cabeludo (como a escravidão), assim como a visão da diretora em relação a esse tema. Por outro lado, não há nenhuma cartilha que diz a verdadeira função do cinema (e da arte): exigir que todo trabalho seja militante em relação a algo pode muito bem ser caracterizado como instrumentalização da sétima arte.
Mas para o público da 41ª Mostra, que ocorre em São Paulo neste mês de outubro, é muito mais fácil acompanhar toda essa polêmica, uma vez que os debates acalorados ocorreram em Brasília logo no início de 2017. Tretas à parte, é coerente e oportuno acompanhar a obra de acordo com a proposta de Daniela Thomas, que é “retratar o Brasil sob o viés da banalidade do mal.”
Visualmente, Vazante é um primor e vale a pena ser visto por isso. Não se trata, porém, de um filme para todos os públicos. A fotografia preto-e-branco oferece uma estética bem elaborada e contemplativa, mas com um ritmo narrativo bastante arrastado, dando ao filme a sensação de durar mais que duas horas.
Mesmo sem lançar mão de clichês como o capataz sádico (um acerto), o personagem de Fabrício Boliveira, Jeremias, sintetiza a falha do roteiro desenvolvido por Daniela em parceria com Beto Amaral. Figura interessante, o capataz vai crescendo em dramaticidade para ser excluído de modo abrupto do filme. Talvez more aí a maior frustração de quem esperou maior subjetividade aos personagens negros de Vazante. Há de se lamentar também o não aproveitamento maior de todo o núcleo da família de Beatriz (Luana Nastas), onde poderia ser desenvolvido diversos impasses com Antonio (Adriano Carvalho).
Outra parte da proposta de Daniela Thomas é, como a própria sinopse sugere, tratar da incomunicabilidade da época e daquela comunidade especificamente. São exemplos comprovatórios disso o escravo recém-chegado do continente africano (de comportamento difícil de ser domado) e a distância afetiva de Beatriz com seus familiares. Nesse sentido, Vazante consegue oferecer um trabalho bastante sólido.