Em Colossal, Nacho Vigalondo prova que é possível tratar de temas importantes num filme com monstros e robôs gigantes
Decifrar o fetiche do cinema asiático por monstros gigantes destruindo suas cidades não é uma tarefa fácil, e o mesmo podemos dizer da insistência hollywoodiana em por abaixo os prédios de Manhattan. 2017 mal começou e já temos dois exemplos disso, com Kong: A Ilha da Caveira e Power Rangers, filmes concebidos com a clara intenção de divertir através dos efeitos e criaturas de grande escala. Colossal, longa escrito e dirigido por Nacho Vigalondo, oferece uma experiência bem diferente, usando esses elementos como metáfora.
A trama de Colossal acompanha Gloria (Anne Hathaway), uma mulher que, após perder o emprego e terminar o seu relacionamento com Tim (Dan Stevens), é forçada a deixar sua vida em Nova York e voltar para sua cidade natal, onde reencontra Oscar (Jason Sudeikis), um amigo de infância. Quando surgem relatos noticiosos de que uma criatura gigante está destruindo Seul, na Coréia do Sul, ela percebe aos poucos que possui uma ligação com esse fenômeno.
A partir daqui, tudo é spoiler.
É importante, antes de mais nada, entender a real proposta de Colossal.
Quem ir à sessão, apenas com o contexto apresentado nos trailers e sinopse, vai encontrar um produto bastante original e ousado da parte de Vigalondo. A narrativa vai gradualmente apresentando seu argumento, mas as pistas estão por toda a parte: um agrado para a casa de Gloria, a reação exagerada de Oscar quando Joel tenta roubar um beijo dela (culminando na piração total quando a moça satisfaz seus desejos sexuais com o rapaz), e a dispensa de Tim, seu ex namorado. Colossal trata, acima de tudo, sobre relacionamentos abusivos e a falta de compreensão entre duas ou mais pessoas.
Mas e os monstros gigantes? São apenas uma distração. Enquanto nos questionamos sobre o bizarro fenômeno da aparição da criatura, assim como a ligação da protagonista nesse contexto, Gloria vai sofrendo as mazelas impostas. Isso não significa, porém, que a metáfora seja desnecessária. O uso desse artifício substitui muito bem algumas cenas muito mais chocantes (abuso sexual, talvez?) passíveis de uso caso Colossal se concentrasse na verossimilidade. Excelente saída do diretor.
Com exceção de Hathaway, o elenco principal é, além de enxuto, composto apenas por homens, cada um representando um perfil particular: Tim a trata com desdém e nega ajuda quando ela mais precisa, além de subestimá-la em relação ao novo emprego. Oscar é o mais possessivo, capaz de descer aos níveis mais esdrúxulos para impedir que ela saia da relação abusiva, seja dando emprego a Gloria ou ameaçando machucar pessoas inocentes. Joel (Austin Stowell), por sua vez, é a representação do homem incapaz de agir frente aos problemas perceptíveis.
Não há preocupação em estabelecer uma mitologia com bases sólidas em Colossal, então não espere muito sentido no que dá origem ao fenômeno ou mesmo nas resoluções dos problemas. Outra armadilha pode ser ir ver o filme esperando uma comédia, apesar de alguns momentos engraçados (mostrar a internet transformando o monstro em meme faz todo sentido), além das cenas bem conduzidas por Anne Hathaway, que parece bem à vontade na personagem.
Colossal deve colocar Nacho Vigalondo em maior evidência a partir daqui. Algumas obras precisam de mais tempo para serem apreciadas, e subtexto é o que não falta aqui.